A GAROTA DA CAFETERIA

 

 _ Então! Você se decidiu?

_ Sim. Vou conhecê-la.

A minha frente, sentada com as pernas cruzadas, estava ela. Seus cabelos eram vermelhos alaranjados, curtos e ondulados. Cada traço do seu rosto era perfeitamente simétrico. Vestia um short jeans azul, nada muito ousado, destacando apenas suas pernas perfeitamente bronzeadas.

Sei o que você pode estar pensando. Estou objetificando ela? Destacando, precisamente, traços puramente genéticos. A resposta é que sim, sim. Não me orgulho da minha natureza, mas também não me envergonho.

_ Oi! Não nos conhecemos formalmente. Sou Rafael. _ Ofereço um aperto de mão esperando ser correspondido.

Ela descansa sua xícara de café sobre a mesa, ergue levemente a sua cabeça, querendo, possivelmente, ver quem estaria a objetificando; agora. 

Seus olhos se encontram ​​com os meus, ergo levemente um sorriso amigável com o lado esquerdo do rosto. Seus olhos eram como uma mistura de uma pintura do expressionismo se Van Gogh tivesse a sua disposição apenas as cores verde e preto.

Ela me encarou por leves três segundos e voltou a sua atenção para a xícara de café.

De maneira espontânea olho para os meus amigos que estavam rindo entre si do outro lado da cafeteria.

Eu estava tentando provar pra eles que nem sempre a beleza é a base de uma possível conexão primária e que, parafraseando Hamlet, existem mais coisas entre o céu e a terra do que o nosso perturbado sistema de recompensa pode imaginar. Como resposta, a essa provável filosofia irrealista, fui desafiado a despertar o interesse romântico, genuíno, da segunda garota mais bonita da cafeteria aos meus olhos. A primeira não vem ao caso.

_ Posso me sentar? _ pergunto voltando a minha atenção para ela. 

_ Eu tenho escolha? _ questiona encarando a todo momento o livro a sua frente.

_ Claro! _ respondo me sentando _ não somos todos condenados a sermos livres e responsáveis ​​por nós mesmos?

_ Não sou muito fã de Sartre. _ Disse ainda encarando o livro.

_ A quem diga que não temos liberdade de tomar um café e estudar sem que sejamos atormentadas por crianças mentais na puberdade. _ Nesse momento seu olhar voltou-se pra mim. _ Não concorda?

_ É, você tem um ponto. _ Digo engolindo em seco. 

_ Então você gosta de Biologia? _ Questionei mudando de assunto.

_ Meu Deus! _ Exclamou perturbada, possivelmente, com o fato de eu ser um pentelho.

Nesse momento ela fechou o livro com uma mistura de brutalidade e leveza.

_ Deixe-me advinha! Você é um daqueles que se esforçam em transparecer gentileza e interesse para conquistar garotas inseguras e superficiais.

_ Claro que não! A prova disso é que estou aqui com você e não com elas. _ Disse gentilmente erguendo um leve sorriso.

Ela me olha pasma, provavelmente com a resposta mais infantil que ela já escutara. Mas algo aparente, real ou ilusório, surge. Uma leve vermelhidão em suas bochechas. 

Quando certa que ainda nos olhávamos, voltou a sua atenção para o livro, procurando aonde tinha parado.

Ela foliava o livro, então ela para e olha pra frente.

_ Você não lembra aonde estava, não é? _ Questiono.

_ Você é muito irritan ...

 _ Você está no capítulo 12, no tópico, se me lembro bem, sistema nervoso central. 

_ Você é inseguro. _ Destacou.

_ O que?

_ Você, inseguro. Podia simplesmente ter dito capítulo 12, mas acrescentou: "... no tópico, se não me engano ..." A verdade é que você se lembra muito bem, só disse isso pra mostrar uma falsa modéstia como introdução para seu exibicionismo final. 

_ "Sistema nervoso central". _ Continuou _ esse é o primeiro tópico do capítulo, mas mesmo assim você o disse, apenas para mostrar que você tem uma memória extraordinária. 

_ Eu ...

 _ Você se julga incrível e tenta mostrar isso pra todos porque tem medo que eles não percebam isso por se mesmos. No fundo você se julga um inútil e medíocre, teme que não haja beleza em você. Você tem medo de ficar sozinho. 

_ Eu não tenho medo de ficar sozinho e não me importo com o que os outros pensam de mim _ exaltei, mas tentando manter a calma. 

_ Aqueles são seus amigos? _ Perguntou acenando em direção a outra mesa. Nesse momento eles estavam conversando e rindo, possivelmente por perceberem que foram descobertos. 

_ Sim, mas ... 

_ Então é isso? Todo esse teatro é pra provar que você também consegue conquistar as garotas mais bonitas? 

_ Quer saber! Chega. Você não me conhece, e por mas que você tenha acertado algumas coisas sobre mim, acredite! Você nunca conheceu alguém como eu. _ Respondo soando um pouco ofensivo. _ Eu não preciso provar nada pra ninguém. 

_ Se isso é verdade, por que está aqui? 

_ Quer saber! Vai se ferrar. _ Respondo me levantando e dando as costas pra ela. 

Eu não estou bem, preciso sair daqui, escutar uma música e acalmar a minha frequência cardíaca, essa pressão sobre o meu peito. Acho que estou tendo taquicardia e que não vou conseguir chegar até lá fora. 

Nesse momento uns dos meus amigos, Fábio, vem até mim com a mão na frente da boca tampando o riso de deboche.

_ E aí Don Juan? Conseguiu o número dela? _ Com um gesto rápido, dou um soco na cara dele o derrubando no chão. 

Minha mão está levemente suja de sangue, acho que acertei o nariz dele. Tomo consciente que a taquicardia foi interrompida. 

_ Você está louco? _ Questiona Elena, a garota mais linda da cafeteria.

_ Talvez eu esteja! _ respondo abrindo os braços. _ Afinal não é esse o destino dos maiores gênios da história? Enlouquecer e morrer sozinho. 

Seu semblante se fecha. Num ato de repulsa ela dá um passo à frente e me empurra.

_ Gênio? Meu Deus! _ Exalta, quase gritando. _ Como você consegue ser tão arrogante?

 Seu rosto fica vermelho e suas sobrancelhas se contraem mostrando, em um quadro geral, um desprezo que eu nunca tinha visto. 

_ É muito difícil não ser arrogante quando eu estou cercado por um bando de idiotas _ justifico dando dois passos em sua direção. _ Eu estou cercado por um bando de idiotas. 

Ela me encara. Provavelmente sou uma pessoa hipócrita e superficial, mas Deus! Ela é linda. Seus olhos castanhos claros, como a madeira de um carvalho envernizado, uma dupla de mechas negras e onduladas que caem sobre o seu rosto, a sua pinta solitária abaixo de sua sobrancelha, seus lábios rosados ​​refletindo a luz como um farol. Mas acima de tudo os seus olhos; eles me encaram, ela me encara, há um desprezo por mim, explicito.

_ Eu sinto muito

Ela me envolve com seus braços e descansa seu rosto sobre o meu peito. E eu juro, minha ira se apaziguou. 

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